O cuidado como direito e responsabilidade coletiva
"A invisibilidade não é um acaso", escrevem Wellington Dias e Laís Abramo
Wellington Dias e Laís Abramo | Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social Família e Combate à Fome
O cuidado é o trabalho que sustenta o mundo. É o trabalho que está na base de todos os outros trabalhos. Dele depende o bem-estar das pessoas e das famílias, a reprodução da força de trabalho e o funcionamento das economias e da sociedade. Ele está presente nas ações diárias de profissionais e familiares que zelam pela higiene, saúde, alimentação, bem-estar e vida daqueles que necessitam de apoio para a realização das atividades cotidianas. Esse trabalho essencial, embora imprescindível, tem sido historicamente invisibilizado.
E essa invisibilidade não é um acaso. O sistema econômico, os governos e o mercado se organizaram ao longo da história contando com a gratuidade do trabalho de cuidado, realizado principalmente - quando não exclusivamente - pelas mulheres. Naturalizado como um gesto de amor, esse cuidado não remunerado ou subvalorizado deixa bilhões de reais de fora das contas econômicas.
A lógica de delegar o peso do cuidado para as mulheres, principalmente as negras e periféricas, desonera empresas e governos da responsabilidade de proporcionar condições adequadas para que todas as pessoas tenham o ao cuidado que necessitam e para que o trabalho de cuidado seja realizado com dignidade. Reconhecer o cuidado como um direito não é apenas uma questão ética, mas uma necessidade urgente para enfrentar uma crise social grave, cujos sintomas se tornaram ainda mais evidentes durante a pandemia de Covid-19.
No entanto, essa questão não começou com a pandemia. A desigualdade na distribuição do trabalho de cuidado remonta à colonização e ao período escravocrata no Brasil. Historicamente, o fardo do trabalho de cuidado caiu sob os ombros das mulheres e hoje, mesmo depois de tantos avanços, elas ainda dedicam mais que o dobro de tempo que os homens a essas tarefas. No caso das mulheres negras, essa carga é ainda mais pesada. Esse ciclo perpetua pobreza e desigualdades, restringindo o o à educação, ao trabalho decente e à saúde. E, no cenário atual, com o envelhecimento acelerado da população e a diminuição do tamanho das famílias, as dificuldades em gerenciar o cuidado se tornam ainda mais evidentes, tornando mais urgente a necessidade de contar com políticas públicas adequadas.
No dia 5 de dezembro, celebramos um marco histórico no Brasil: a aprovação da Política Nacional de Cuidados. Esse momento simboliza o compromisso inédito do governo federal e do parlamento brasileiro em promover o cuidado como um direito universal e uma responsabilidade compartilhada. Essa política não apenas reconhece a centralidade do cuidado, mas também se propõe a enfrentar as desigualdades estruturais de gênero, raça e classe que ainda marcam nossa sociedade. A aprovação unânime dessa política no Congresso Nacional representa um chamado para que a sociedade repense as relações de cuidado, deixando de vê-las apenas como uma responsabilidade das mulheres dentro das famílias e ando a tratá-las como uma responsabilidade coletiva e compartilhada - entre homens e mulheres e entre as famílias, a comunidade, o Estado e o setor privado.
Os impactos dessa conquista serão sentidos por gerações. A Política Nacional de Cuidados representa um novo pacto social, que visa transformar o Brasil em um lugar onde cuidar seja um direito de todos, uma responsabilidade compartilhada e um compromisso com a redução da fome, da pobreza e das desigualdades. Com essa aprovação, reafirmamos nosso compromisso em construir um Brasil que cuida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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