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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Quando os gigantes se entendem, quem dá as cartas?

Quando China e Estados Unidos redigem juntos um novo capítulo, o mundo precisa ler nas entrelinhas o que ficou de fora

Bandeiras dos EUA e China (Foto: Bao Dandan/Xinhua)

Na quarta-feira (11) o presidente Donald Trump afirmou que um acordo comercial limitado com a China estava "concluído", aguardando sua aprovação e a do presidente chinês, Xi Jinping. As delegações dos EUA e da China, lideradas pelo secretário do Tesouro Scott Bessent e pelo vice-primeiro-ministro chinês He Lifeng, começaram as negociações em Londres na terça-feira (10), após uma conversa telefônica de redefinição na semana ada entre Trump e o líder chinês Xi Jinping.

A China é responsável por 70% da mineração mundial de terras raras e por mais de 90% do processamento – quase um monopólio. O país impôs controles rigorosos sobre as matérias-primas em abril, depois que Trump começou a impor tarifas altíssimas sobre todos os produtos chineses e do resto do mundo. Por outro lado, a China é vulnerável aos controles do governo Trump sobre exportações de alta tecnologia, especialmente quando se trata dos semicondutores de ponta , necessários para sistemas avançados de inteligência artificial, uma das poucas mercadorias que a China não conseguiu produzir internamente de modo a se tornar autossuficiente.

O acordo prevê que a China retome os embarques de minerais de terras raras e ímãs relacionados, necessários para montadoras e outros fabricantes americanos. Em troca, os Estados Unidos fornecerão vistos à China para que estudantes chineses frequentem universidades americanas. Os EUA imporão uma tarifa de 55% sobre produtos chineses, e a China aplicará um imposto de importação de 10% sobre produtos americanos. O acordo foi firmado durante dois dias de negociações em Londres entre os negociadores americanos e chineses.

A Xinhua, agência de notícias estatal da China, ressaltou os benefícios mútuos do comércio entre os EUA e a China em um artigo publicado na terça-feira que dizia : “As relações China-EUA encontram-se atualmente em um momento crítico e importante. Ambos os lados precisam aderir aos princípios de respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação vantajosa para todos”.

Pequim não tem todas as cartas na mão. O crescimento econômico continua fraco na China e as estatísticas publicadas esta semana mostraram um declínio acentuado de 34% nas exportações para os EUA em meio à guerra tarifária, embora um aumento nas vendas para a Europa e o Sudeste Asiático tenha resultado em um incremento nos números gerais de exportações. Importações essenciais como a soja têm sido supridas por países como o Brasil.

O recente acordo firmado entre Estados Unidos e China em Londres não é apenas um gesto de cooperação entre duas superpotências: é um recado geopolítico ao resto do planeta. Sempre que Washington e Pequim ajustam seus termos, seja em áreas comerciais, tecnológicas ou militares, o mundo fica em alerta máximo.

Se antes a disputa sino-americana garantia margem de manobra para países que buscavam autonomia estratégica — como o Brasil, a Índia ou a África do Sul —, um possível reequilíbrio entre os dois gigantes tende a estreitar esse espaço. A lógica é simples: quando os Estados Unidos e a China chegam a um entendimento, o resto do mundo precisa recalibrar sua bússola geopolítica. Afinal, estamos falando de duas potências que não dividem apenas o PIB global, mas também a capacidade de definir normas, padrões e hierarquias.

Ao que parece, o pacto buscou conter as tensões acumuladas nos últimos anos — do confronto comercial à escalada tecnológica, ando por acusações mútuas de espionagem, manipulação de mercado e completando com o recente tarifaço do Sr. Trump. Um acordo entre os dois gigantes está longe de significar estabilidade para o resto do planeta. Muito pelo contrário: quando os donos do jogo combinam as regras entre si, os demais são chamados a obedecer.

O compromisso firmado e ratificado por Xi e Donald sinaliza que o multilateralismo está, mais uma vez, sendo substituído por bilateralismos de alto escalão, em que decisões que afetam o planeta são tomadas a portas fechadas entre potências hegemônicas. É uma advertência para os BRICS, para a União Europeia e para os fóruns internacionais: ou se afirmam como polos reais de poder, ou continuarão apenas reagindo a pactos que não ajudaram a construir.

A guerra tarifária não terminou

Ainda que o tom tenha suavizado, a chamada guerra tarifária não terminou. O que ocorreu foi uma sofisticação dos métodos de confronto. Em vez de aumentos abruptos de tarifas sobre aço ou soja, o embate agora se dá por meio de barreiras técnicas, subsídios internos e controle sobre cadeias de suprimento estratégicas especialmente nas indústrias de semicondutores, veículos elétricos e minerais críticos. Aqui vale uma observação importante: enquanto o governo Biden criou o ambicioso Inflation Reduction Act (IRA), um pacote bilionário focado em energias limpas e reindustrialização, o segundo mandato de Donald Trump, iniciado em 2025, tem adotado uma postura oposta buscando desmontar, congelar e limitar os efeitos do IRA, ao mesmo tempo em que promove um protecionismo clássico por meio de incentivos fiscais e políticas nacionalistas. A China prossegue com o “made in China 2025”.

Essa nova fase é silenciosa, mas não menos impactante. Para países que exportam para ambas as potências — como o Brasil — o desafio é enorme: adaptar-se simultaneamente a exigências distintas, sob o risco de ser penalizado por todas. Essa realidade revela que a disputa não é simplesmente guerra tarifária ou cooperação; é uma corrida por controle tecnológico, capacidade produtiva, hegemonia industrial e poder, com mudanças constantes de estratégia conforme os interesses internos e geopolíticos dos Estados Unidos e da China.

E o resto do mundo? Não pode se apequenar

Na nova configuração geopolítica, o Sul Global não pode mais se dar ao luxo de apenas reagir. A era do não alinhamento ivo ficou para trás. Hoje, a autonomia precisa ser construída com instrumentos concretos: diversificação produtiva, soberania digital, acordos regionais com conteúdo estratégico e inovação tecnológica.

A Europa tenta se equilibrar entre seu discurso de multilateralismo e sua dependência do guarda-chuva militar dos EUA. Já os BRICS — se quiserem manter relevância — precisam deixar a retórica de lado e agir como bloco real: propondo padrões próprios de comércio, investimentos e transição ecológica, com financiamento e regulação independentes.

Na prática, o que está em jogo é a própria capacidade dos países fora do eixo EUA-China de dizer não às escolhas que não os incluem. Não à obediência automática aos polos dominantes. E, principalmente, sim a uma nova arquitetura global, onde haja lugar para múltiplos projetos de futuro — não apenas para os acordos feitos a portas fechadas por quem sempre se considerou dono do mundo.

A ilusão de uma ordem internacional "baseada em regras" — expressão cara à diplomacia ocidental — cede lugar à evidência de que as regras, muitas vezes, são reescritas por quem tem força para isso. E quando China e Estados Unidos redigem juntos um novo capítulo, o mundo precisa ler nas entrelinhas o que ficou de fora.

“O mundo multipolar não nascerá de um acordo entre os velhos impérios — mas da coragem de novos sujeitos históricos de escreverem suas próprias regras.”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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