Barroso critica redes e defende regulação: “É preciso fazer com que mentir volte a ser errado”
Presidente do STF defende regulação de plataformas e alerta para danos da desinformação durante evento em Londres
247 - Durante evento em Londres, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a regulação de conteúdos na internet e criticou o modelo de negócio das plataformas digitais, baseado no "estímulo à desinformação e ao discurso de ódio". O evento ocorreu neste sábado (14), em um auditório na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e as informações são da Folha de S.Paulo.
“É muito importante fazer com que mentir volte a ser errado”, afirmou o ministro, em um dos momentos mais enfáticos de sua fala de abertura no evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.
Barroso apontou a disseminação deliberada de mentiras como uma estratégia política que tem se espalhado globalmente. Em referência indireta ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente réu no STF por tentativa de golpe, o ministro mencionou os ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas. “A verdade não tem ideologia, mas a mentira deliberada é uma coisa muito ruim que ou a dominar o mundo como estratégia política”, disse.
Ao lado de outros debatedores, como o diretor jurídico do Google Brasil, Daniel Arbix, e a cientista de dados Kizzy Terra, Barroso defendeu uma "regulamentação responsável" das plataformas digitais, especialmente diante do avanço da inteligência artificial. “O STF não está legislando, mas resolvendo casos concretos”, disse ele ao comentar o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que será retomado no próximo dia 25.
A atual interpretação do artigo isenta as plataformas de responsabilidade sobre conteúdo de terceiros, salvo em casos específicos, como nudez não consentida ou violação de direitos autorais, ou quando há ordem judicial de remoção. A maioria dos ministros, incluindo Barroso, já votou por ampliar essa responsabilização, com base no chamado “dever de cuidado”.
Divergências no STF sobre a regulação
Enquanto Barroso e outros três ministros propõem que as empresas removam proativamente conteúdos ilegais após notificação extrajudicial, Dias Toffoli e Luiz Fux defendem que a retirada de publicações ofensivas ocorra mesmo sem denúncia prévia ou ordem judicial. “Cada um correu para um lado”, brincou Barroso ao comentar as diferentes posições dos ministros.
Segundo ele, a tecnologia digital “democratizou a comunicação, mas também abriu avenidas para desinformação, discursos de ódio, teorias conspiratórias”. Por isso, enfatizou que a liberdade de expressão deve ser protegida, mas não usada como escudo para práticas nocivas: “É preciso regular com muito cuidado, porque a liberdade de expressão é um valor essencial para a democracia, mas também precisamos impedir que o mundo desabe num abismo de incivilidade”.
Inteligência artificial, modelo de negócios e direitos fundamentais
Durante o com Arbix e Terra, o presidente do STF chamou atenção para os incentivos das redes sociais e dos algoritmos: “Insulto, ofensa e mentira trazem mais engajamento do que uma fala moderada. Há um incentivo perverso a potencializar o que é ruim”, apontou.
Kizzy Terra reforçou que o marco regulatório da inteligência artificial é urgente e que o Brasil já se encontra em atraso nesse campo. “Inovação pode conviver com regulação”, disse ela, usando a experiência da China como exemplo. Ela também alertou que os usuários compartilham com essas ferramentas dados mais sensíveis do que nas redes sociais.
Já Arbix destacou que a regulação deve ser arrojada, mas sem comprometer o desenvolvimento da tecnologia. “É preciso um aperfeiçoamento da política de dados no Brasil”, defendeu.
Polarização, desafios globais e estabilidade institucional
Barroso também aproveitou sua participação para criticar o contexto internacional, em que “a força tem valido mais do que o direito em diferentes partes do mundo”, segundo suas palavras. Ele lamentou o que classificou como “decadência do multilateralismo” e o aumento da polarização.
“Hoje, nem o senso comum consegue ser um senso comum”, disse o ministro ao abordar a dificuldade em formar consensos básicos, mesmo sobre temas considerados universais. Ele citou como inegociáveis, por exemplo, o combate à pornografia infantil, ao terrorismo, ao tráfico de pessoas, à instigação ao suicídio e à automutilação.
Apesar das críticas, o ministro exaltou os 40 anos de estabilidade democrática no Brasil, apesar das tentativas recentes de ruptura institucional. Também relativizou a percepção de crise econômica: “A inflação está um pouco acima [da meta], foi 4,63%. A média no governo anterior foi acima de 6% e não causava tanto espanto. Há uma onda de negatividade que deixa ar a percepção adequada das coisas boas que têm acontecido”.
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